Guest Post: Medida Certa ou Incerta?
Na semana passada vários blogs e sites abordaram sobre a presença das Divas Plus Size no programa Medida Certa, embora eu tenha uma opinião a respeito delas estarem no programa, eu não quis trazer para o blog o #mimimi se elas eram vilãs ou mocinhas. Como eu tenho as leitoras mais lindas, eu convidei o Cezar Vicente Jr, que é Nutricionista para falar um pouco sobe os efeitos do Medida Certa em quem participa e também na sociedade como um todo. O texto é longo, mas extremamente esclarecedor, espero que vocês curtam tanto quanto eu. <3
Os reality shows sempre fazem sucesso, em especial aqueles que se focam sobre o peso, como o americano The Biggest Loser (que teve uma versão brasileira, mas que não vingou) e o Medida Certa (e sua versão infantil, Medidinha Certa). Existem muitos pontos que me incomodam nesses programas, em especial no Medida Certa, e vou tentar resumir alguns. O primeiro ponto pra mim é sem dúvida o fato de ser focado no peso. Quando se foca no peso assume-se que o objetivo da mudança é o peso, no caso, a perda de peso. E isso me leva a algumas questões:
Questão ‘A’: Alguém consegue mudar diretamente o peso?
Questão ‘B’: Existem apenas formas saudáveis de perder peso?
Questão ‘C’: Todo mundo que tenta perder peso, consegue?
Considerações sobre as questões.
A) Não, o peso não é um comportamento, portanto não consegue ser mudado diretamente. Conseguimos atuar diretamente sobre os nossos comportamentos, por exemplo, escovar os dentes após as refeições, tomar mais água, etc.
B) Existem muitas formas utilizadas popularmente para se perder peso (não estou me referindo à efetividade) e, diga-se de passagem, as mais perigosas são as mais usadas: cortar grupos alimentares, usar medicações para queimar gordura, fazer jejuns, fazer dietas restritivas, fumar, usar shakes substitutos de refeições, vomitar, usar laxantes, usar diuréticos, chás emagrecedores, etc. A lista é longa!
C) Esse é o grande ‘X’ da questão. É considerada uma perda de peso efetiva quem perde peso e consegue manter por até 5 anos esse peso. Estudos mostram que é mais possível se curar de alguns tipos de câncer do que “fica na medida certa” quando já se tem um peso elevado. E isso não é culpa da pessoa! Com o grande foco no peso, algumas das indústrias mais poderosas do mundo – farmacêutica e alimentícia – viram um grande potencial e investimento: o emagrecimento. Oras, imagine que vc compra um produto para um determinado fim, mas que não funciona, ou funciona por um curto prazo, e que no rótulo vem escrito que se não funcionar a culpa é sua! Ou você não usou direito, ou foi o tempo que usou que foi curto, ou não teve força de vontade de usar o produto. E se, por acaso, você achar que esse produto não presta, em breve surgirá outro com uma embalagem diferente, mas ainda dizendo que a culpa é sua se der certo. Você compra porque todo mundo diz que você precisa alcançar aquele determinado fim e que só você não conseguiu. Além de um mercado inesgotável e altamente rentável (afinal, quem hoje não quer perder alguns quilinhos?) ele ajuda a colocar a culpa na própria pessoa o que ajuda a fortalecer algo chamado ‘estigma do peso’ (ou ‘estigma da obesidade’) onde diversas características são associadas, erroneamente e quase que automaticamente, às pessoas com maior peso. Alguns exemplos são: preguiça falta de força de vontade, gula, descuido, etc. Esse é um dos principais motivos para que as pessoas procurem desesperadamente ‘transformar’ seus corpos.
Como se não bastasse isso, todos os profissionais da saúde aprenderam que grande maioria dos problemas de saúde são causados por excesso de peso (em muitos casos independente do peso da pessoa). “Esses dias fui ao médico dizer que estava com uma dor no pescoço e eu nem havia terminado de falar e ele me mandou emagrecer (…) depois estava com uma dor na barriga e fui a outro médico que me disse a mesma coisa… Sabe, sinto como se eu não fosse mais uma pessoa, mas como se eu fosse apenas um peso, um número… Lembro-me daquela história que gordo não tem nome. Ao invés de as outras pessoas se referirem aos gordos pelo nome, elas o chamam ‘gordo’.” – relato de uma paciente em conversa com nutricionista. Vamos refletir: as pessoas que tem dificuldades com o seu peso vão procurar o profissional da saúde que sempre dá uma orientação inovadora: emagreça (algumas vezes essa etapa é pulada). Ouvem diariamente que deveriam ter força de vontade, fechar a boca, deixarem de ser preguiçosas… Com isso elas se tornam alvo fácil da indústria do emagrecimento. Consequentemente elas não perdem, voltam a ganham peso em algum tempo. A pessoa se sente culpada por isso. Como é difícil para as pessoas que não estão ‘na medida certa’ viverem nesse planeta! Por isso acho necessário deixar alguns pontos esclarecidos: O nosso corpo não é uma massinha de modelar, portanto não podemos deixar ele do jeito que quisermos. O nosso corpo não é uma peça de madeira que precisa ser esculpida para ficar melhor. O nosso corpo não é o que nós somos, ele é apenas uma parte do que nós temos – somos muito mais do que o nosso corpo. O nosso corpo não precisa ser consertado para melhorar a nossa auto-estima. O nosso corpo não deve ser maltratado, mas sim cuidado! O nosso corpo não precisa estar dentro de padrões para nos gostarmos! A forma do nosso corpo não é o resumo do nosso estado de saúde! A palavra mais citada quando o assunto é peso é ‘alimentação’. Graças à grande mídia e alguns fatos históricos, todas as pessoas do universo automaticamente pensam em peso quando se fala em alimentação. Dentro desse pensamento a alimentação tem apenas 2 funções específicas: engordar e emagrecer.
E nessa visão simplista a saúde é “controlar o peso”. A comida não é uma modeladora corporal também. Sim, ela é muito importante e não há como viver longe dela! Ela é importante para manter nossas funções biológicas do corpo adequadas, para podermos comer um delicioso bolo recheado em uma festa de aniversário, para podermos fazer aquela receita da vó e achar que vai sair igual (mesmo sem nunca sair), para podermos tomar um chá quentinho quando estamos gripados, para convidar aquela pessoa amada para um jantar romântico, para reunir amigos em casa e querer tentar fazer com as próprias mãos um quitute gostoso para todos… A comida é incrível e imprescindível! Internacionalmente alguns movimentos trabalham na mesma direção destas críticas. Um dos meus favoritos é chamado de Healthy At Every Size® (algo como “Saudável em Todos os Tamanhos”). HAES® é um tipo de abordagem para promoção da saúde baseada em 3 pilares: auto-aceitação corporal, comer normal, e atividades físicas prazerosas. Ou seja, que é possível cuidar da saúde de uma maneira não-militar e que entende que existem pessoas de todos os tamanhos e formas.
Pra finalizar, apenas uma reflexão: se existe a uma “medida certa” automaticamente existe uma “medida errada”, quer dizer que se eu não estou nessa tal medida correta o meu corpo está errado. Sinceramente, não acho que existam corpos certos e errados, acredito em DIVERSIDADE, alguns corpos não devem entrar em extinção.