“MEU CASAMENTO FOI PERFEITO: E EU ESTAVA GORDA COMO NUNCA, O TEMPO TODO” (por Lindy West)
Aham e eu ficamos noivos no meu aniversário. Ele me levou para jantar, sugeriu uma “saideira rápida” em um bar da vizinhança e, aí, surpresa! Todo mundo estava lá – nossos amigos, nossas famílias, as crianças e quatro pessoas aleatórias que só estavam tentando comprar uma maldita bebida em uma noite de domingo, mas sem querer se tornaram acessórios acidentais num pedido de casamento escandalosamente público (desculpa, galera!). Eu fiquei tão feliz. Ele segurou a minha mão e me levou até os fundos; havia uma faixa de papel pendurada com o meu nome (o bartender que fez – nós vamos bastante nesse bar); havia um dueto de cordas tocando ao vivo. Eu fiquei confusa. Por que tinha um violoncelo na minha festa de aniversário? Por que o meu namorado estava ali fazendo a sua Cara de Nervosismo? Espera, são quase 10 da noite em uma noite de domingo e nós estamos em um bar – por que as CRIANÇAS estão aqui? E então tudo aconteceu de uma só vez: o joelho, o anel, o discurso, a pergunta, as lágrimas. Todos os grandes hits. Foi um gesto enorme e magnífico.
Meses depois, eu perguntei para ele por que ele escolheu fazer assim – um espetáculo tão grandioso, tão dramático, que não é exatamente o nosso estilo de fazer as coisas – e eu esperava uma resposta clichê e fofa, como “Eu queria garantir que toda nossa comunidade fizesse parte do casamento” ou “Eu queria que todo mundo soubesse o quanto eu te amo”. Mas, ao invés disso, a sua resposta me fez rachar de rir: “Uma vez você ficou bêbada e me disse: ‘Se algum dia você me pedir em casamento, não faça do jeito escroto que os caras normalmente fazem com as garotas gordas. Como se fosse um segredo ou como se você só quisesse me impedir de te deixar. Garotas magras recebem pedidos públicos e é como se aqueles caras estivessem ganhando uma porra de um prêmio. As garotas gordas merecem isso também’”. Eu provavelmente teria falado de um jeito mais bonito se estivesse sóbria, mas tudo bem, belo jeito de se impor, Sra. Lindy Bêbada-e-Mandona do Passado!
Não é como se eu particularmente desejasse receber um grande gesto como esse – o relacionamento que eu tanto valorizo vem de nossos pequenos momentos particulares (e, como eu descobriria em minha festa de noivado, eu me sinto surpreendentemente desconfortável com demonstrações públicas de sinceridade) –, mas quanto mais velha eu fico e quanto mais tempo vivo em um corpo gordo, mais difícil é não politizar até os mais simples atos. Um pedido público de casamento feito a um corpo que é valorizado socialmente pode ter muito significado para a pessoa em si, mas não muda nada a nossa cultura. Um pedido público de casamento feito a um corpo que é criticado socialmente é um ato político.
Eu já namorei homens que me adoravam em particular, mas que se recusavam a ser vistos comigo na rua ou que me diziam explicitamente que nós não tínhamos futuro, porque tinham medo que seus amigos rissem deles. Eu já fui abordada ansiosamente por homens que claramente só me viam como um tipo “tabu” de corpo, o que eu acho igualmente desmoralizante (outras pessoas gordas não ligam, eu sei – e tudo bem também). Eu só queria ser uma pessoa e, se eu tivesse sorte, me apaixonar por outra pessoa – nem “por causa” e nem “apesar do” meu corpo. Uma vez que eu conseguisse, queria consolidar isso, tornar palpável, real, e transmitir a versões mais jovens de mim mesma.
“Eu cresci achando que nunca me casaria”, diz um artigo que eu escrevi em novembro, intitulado ‘Por que eu mal posso esperar para ser uma noiva gorda’ (1). “Porque casamento era coisa de mulher magra, o tipo de mulher que merece ser fisgada. Como eu poderia ser uma noiva quando eu já sou o que os homens mais temem que suas esposas se tornem? Eu era a personificação da crise de meia idade. Eu era o Fantasma da Traição. Ou, pelo menos, isso foi o que me ensinaram. E é por isso que eu mal posso esperar para ser uma porra de uma noiva gorda”.
E ainda: “Quando eu penso em mim mesma adolescente, o que eu realmente precisava ouvir não era que talvez alguém me amasse caso eu perdesse peso o suficiente para me qualificar como ser humano – era que eu já merecia ser amada, agora, exatamente como eu era. Então eu vou estar, sim, gorda no dia do meu casamento. Porque estar gorda e feliz e apaixonada em público ainda é um ato radical”.
Nós nos casamos há uma semana, no meu local favorito – um chalé de madeira que meus pais compraram nos meus primeiros anos de vida e que vem sido consertado aos poucos e meticulosamente nos últimos 30 anos.
Meu pai não esteve presente no meu casamento (2), mas mesmo acreditando que a morte é um caminho sem volta, eu sempre consigo senti-lo naquele chalé. Caminhei até o altar ao som de uma gravação dele tocando “Someone to Watch Over Me” (“Alguém para olhar por mim”) no piano; meu noivo usou um terno xadrez azul; uma águia americana sobrevoou a cerimônia; a comida estava transcendental; a cobertura de camélias que minha irmã fez escorregou para fora do bolo; alguém derramou vinho tinto em uma das camas; eu fiquei menstruada; caiu a maior chuva após um mês de sol ininterrupto e, de repente, parou… bem quando saímos do chalé para dançar; um amigo meu se confundiu no caminho do banheiro e flagrou minha mãe nua no quarto. Ah! E a bisavó de 100 anos do Aham teve um pequeno ataque cardíaco quando estava indo para a cerimônia, foi para o hospital, melhorou E AINDA CHEGOU A TEMPO DE FESTEJAR. Foi um dia maravilhoso, caótico, cheio de amor e perfeito.
E eu estava gorda como nunca, o tempo todo.
Como mulher gorda, se você pedir ajuda ou conselho para quase qualquer coisa, você sempre acaba ouvindo alguma versão de “ocupe menos espaço”. Diminua-se. Se sente doente? Reduza o seu corpo. Não consegue encontrar amor? Reduza o seu corpo. Não é valorizada no trabalho? Reduza o seu corpo. Não consegue reduzir seu corpo? Esconda-o. Não consegue esconder seu corpo? Use algo que o “valorize” (ou seja, faça-o parecer menor). Escolha uma roupa com corte império. Cubra seus braços. Seu corpo é desagradável demais. Seu corpo é expansivo demais. Seu corpo é indisciplinado demais. Nós queremos ver menos de você ou, de preferência, não ver nada.
“A primeira coisa que todo vestido plus-size deve fazer aos olhos da indústria de casamentos é ‘valorizar’”, diz a minha amiga e organizadora de casamentos Alithea O’Dell (3). “A principal preocupação deles é esconder o seu corpo, o que é simplesmente absurdo quando paramos para pensar em toda a inspiração, dedicação e talento usados para se desenhar vestidos para mulheres magras. Esses vestidos são muita coisa – glamorosos, bonitos, delicados, sexy – antes de apenas ‘valorizar’”.
Bom, eu não já não me escondo mais no dia-a-dia e definitivamente não ia me esconder no meu casamento.
Eu pulei todas as lojas de vestidos de noiva e fui direto para o meu amigo Mark Mitchell (4), que é designer e artista. Nós criamos o vestido mais bonito que pudemos imaginar e, de acordo com as velhas regras, justamente o que menos ‘valoriza’ garotas gordas: um vestido justo, sem alças e com corte sereia, explodindo de flores de seda. As flores – meu deus, as glicínias! – adicionaram volume extra às áreas que eu supostamente deveria tentar “afinar”. A silhueta acentuou a minha barriga ao invés de camuflá-la. Os meus braços estavam bem do jeito que são – fortes e grandes. Eu não usei cinta. Eu estava linda.
Mas “linda” é um conceito complexo. Há uma tensão desconfortável entre a cultura dos casamentos, o feminismo e a aceitação de pessoas gordas. Por conta do que essa “aceitação” demanda das mulheres em nossa cultura, muito do ativismo contra gordofobia se resume a mulheres gordas tentando “provar” que elas também podem vestir as mesmas armadilhas da fantasia masculina e se encaixar nos papeis tradicionais de gênero: tanto quanto as mulheres magras. Mulheres gordas podem ser bonitas. Mulheres gordas podem se casar. Mulheres gordas podem “arranjar” maridos de beleza convencional. Mas como isso é construtivo? O meu valor não depende da aprovação masculina – e me dar conta disso foi, em grande parte, o que fez o meu relacionamento atual ser saudável e pleno. A política da respeitabilidade pode provocar mudanças significativas para pessoas gordas a curto prazo, mas o que está fazendo pelas mulheres em geral a longo prazo? Como eu posso, ao mesmo tempo, lutar para que as mulheres se libertem dos padrões patriarcais e para que mulheres gordas possam participar desses padrões?
Minha resposta rápida seria que, quando se tratam de pessoas gordas, eu estou mais interessada em expandir a gama de expressões individuais do que adicionar itens à longa lista do que “podemos” ou “não podemos” usar. Mas eu também perguntei à Alithea como ela concilia esta tensão entre ser uma organizadora de casamentos, feminista e mulher gorda. “Eu concordo”, ela disse, “às vezes as mulheres ainda internalizam ideias patriarcais que lhes foram ensinadas… sobre como nós TEMOS que casar, nós TEMOS que estar o mais bonita possível, nós TEMOS que ser amadas por um homem cis e, se não fizermos isso, não seremos verdadeiramente felizes ou bem-sucedidas. É óbvio que isso é babaquice. Claro que um parceiro nos faz feliz de maneiras que outros não podem fazer, mas existe uma estrutura fundamental de amor, felicidade e verdadeira paz que muitas de nós precisam encontrar em si mesmas antes de buscar felicidade em um parceiro. Senão é como construir uma casa linda sobre uma base de merda”.
“O pior conflito que eu enfrento é entre o feminismo e o capitalismo, que está tão interligado a casamentos. O capitalismo não é feminista – ele é construído graças à exploração de mão de obra barata, literalmente escravizando pessoas para produzir coisas e tornar outras pessoas ricas. A indústria dos casamentos nos convenceu que apenas os casamentos que custam muito caro são realmente ‘bons’. Mas eu enxergo os casamentos mais como uma tradição, uma cerimônia; e essas coisas são importantes em todas as culturas. Então eu trabalho junto aos meus clientes para eliminar todos esses elementos asquerosos que não fazem sentido, tudo o que eles aprenderam que ‘precisam’, e reconstruo todo o casamento… para que seja uma cerimônia e uma festa que reflita os seus valores, algo do qual eles se orgulhem e que pareça uma celebração honesta do seu amor”.
Escolha seus rituais, mas que sejam seus de fato. Se você quer parecer com um mercado de flores que engoliu a versão gorda da Betty Drapper e a vomitou no meio de uma floresta assombrada (SIIIIIIM!), ótima escolha. Se você quer se casar com um burrito enquanto usa um barril com suspensórios, eu não vejo problema. Se você acha que o conceito de casamento em si é uma grande merda, você tem razão também. Mas seja o que for, lembre-se que você não precisa – de forma alguma – “consertar” o seu corpo, procurar algo que te “valorize”, se tornar o segredo obscuro de alguém ou implorar por permissão para ser feliz.
E para a minha versão de 16 anos, se você estiver lendo isso, ouça o que a Alithea diz; ela é sábia: “Quando eu entro num relacionamento, eu não estou preenchendo o vazio que a sociedade cavou na minha alma, me dizendo que eu sou gorda… e que porque eu sou gorda, eu sou feia… e que porque eu sou feia, eu não posso ser amada. Eu estou ali, em sua cama e em sua vida, por um motivo válido. Não porque eu sou insegura e preciso da validação externa que a sociedade patriarcal nos ensina a buscar. Eu não estou buscando validação em um companheiro. Eu estou buscando companheirismo em um companheiro”.
Nunca em toda a minha vida eu estive mais gorda do que no dia do meu casamento, eu nunca mostrei o meu corpo de forma tão firme e eu nunca me senti tão confortável comigo mesma. Eu era eu mesma, por inteiro, e eu estava feliz. Nós somos felizes. Essa é a vida de vocês, garotas gordas. Devorem-na.
(1) http://www.theguardian.com/…/i-am-fat-my-fiance-is-thin-we-…
(2) http://www.theguardian.com/…/16/dad-christmas-without-him-h…
(3) http://www.engine-heart.com/
(4) https://vimeo.com/61071067
Texto original: http://www.theguardian.com/…/21/my-wedding-perfect-fat-woman
Texto traduzido por Melissa de Miranda e cedido gentilmente para o blog.