Quem me conhece sabe que eu sou atriz e nos últimos tempos a pergunta que mais me fazem é: Por que a Fabiana Karla aceita fazer um personagem tão humilhante como a Perséfone, a enfermeira virgem, tarada e péssima profissional?
A resposta está diante de todos nós, é necessários apenas ligar a televisão e ver quantos personagens existem em novelas, séries e filmes que são gordinhas.
Em vinte anos conheci os bastidores da televisão e do teatro e entendo a situação de Fabiana, se eu estivesse no lugar dela talvez fizesse o mesmo, esperaria a poeira abaixar antes de sair brigando com o autor e fechando as portas.
O que poucos sabem é que televisão não trabalha com atores, trabalha com o que eles chamam de “perfil”. O autor escreve o texto, determina o tipo físico do ator que procura, então o diretor e produtor passam essa informação a uma agência de atores, que manda gente para os testes. E isso corresponde a menos de 1% de um elenco de novela, em geral os atores são escolhidos na mesma emissora, então rara vez procuram gente de fora, mas quando acontece as agências são as responsáveis.
No caso de comerciais os atores são escolhidos em diferentes agências, mas todos sempre são chamados de acordo ao tipo físico exigido.
Tenho uma amiga que tem a mesma idade do que eu e somos parecidas fisicamente, mas ela é magra. O tipo físico dela é o preferido, ela tem testes quase todos os dias e encaixa em muitos, pode ser a dona de casa, executiva, atleta, moderninha, mãe, filha, neta, pode ser tudo.
Mas eu não, porque não sou magra. É terrível dizer isso, mas um tipo físico gordinho serve apenas para duas coisas, tanto em novela como em publicidade, para ser humilhado por alguém ou ser engraçado.
Se eu tivesse que contar todas as histórias que já passei em testes, precisaria de uns duzentos posts.
E sou sincera, não tenho reclamações das agências, sempre fui bem tratada, eles apenas fazem seu trabalho. E nos testes também nunca sofri nenhuma humilhação por parte da equipe técnica, pelo contrário, sempre me ajudaram e vi ajudarem a todos, até em situações bizarras e vi nos olhos de muitos o constrangimento pelo o que pediam para as atrizes fazerem.
Um deles era para um comercial de carros. Uma mulher linda chega em casa e pega seu marido na cama com outra, mas a amante é gordinha. Então entrava uma frase no comercial na base de “Não troque tal máquina por uma carcaça”, uma coisa assim. O rapaz no comercial convence a mulher que jamais transaria com uma gordinha.
Eu vi o diretor explicando a cena para as atrizes, inclusive eu e percebi o constrangimento dele, da equipe, até porque tinha uma cena que o rapaz arrancava o lençol e mostrava que a amante era gordinha, como se fosse uma leprosa.
Esse dia inclusive eu recuperei um pouco de fé na humanidade, porque as pessoas da equipe corriam pra ajudar a atriz que fazia a amante, evitando que ela ficasse em roupas íntima na frente dos outros.
Tive uma sorte enorme com o ator que fiz o teste, porque ele foi um cavalheiro, mas saí de lá com uma sensação péssima.
Depois fiz outro teste para uma marca de cerveja, o rapaz vai ao oculista e no exame não vê os números, vê uma mulher. Se ele tivesse bebido a cerveja, via uma mulher linda, perfeita, sem a cerveja ela via uma gorda.
E assim foram muitos, até que eu senti que aquilo tinha atravessado todas minhas fronteiras e resolvi sair dos testes.
Voltei ao teatro, onde existem atores, não “perfis”. Mas entendo Fabiana.
Ela é uma funcionária, de uma empresa conhecida por ser justa com seus funcionários e obedecer todas as regras da lei. Fabiana tem família e pelo seu tipo físico está limitada na televisão. Uma atriz que contracena com ela, faz sua melhor amiga Patrícia (Maria Casadevall) é magra e já está sendo disputada para duas novelas. E Fabiana não.
Ah, mas ela podia reagir! Sim poderia, então o autor cortaria ela da novela e como fica? Não fica, papéis de gordinha não existem, são tão poucos que ninguém percebe que quase não existem.
E eu nem contei sobre os bastidores do figurino, precisaria de outros mil posts para contar o que acontece ali, já que figurinistas odeiam atrizes gordas, pela dificuldade em achar roupas.
Mas mesmo criticando o sistema, a televisão, as agências e tudo que envolve, nós como público temos nossa parcela de culpa, assistimos tudo sem reclamar, passivas. Neste país mais da metade das mulheres está acima do seu peso, mas todas assistem televisão sem dizer nada, ninguém reclama de que a novela tem 30 personagens femininos e apenas uma gordinha, como se essa conta existisse na vida real.
E o que pode ser feito? Muito, a televisão só mostra o que aceitamos assistir, quem não gosta muda de canal, liga para a emissora para reclamar ou manda e-mail.
Tudo isso pode parecer uma grande bobagem, mas funciona. De tantas reclamações hoje as novelas não se atrevem mais a colocar empregados negros, porque podem ser acusados de racismo. Mas isso só aconteceu porque os negros se mexeram e foram atrás dos seus direitos, aqueles que os gordos acham que não têm.
Televisão depende de nós para existir e se aceitamos quietos que humilhem os gordos nas novelas e propagandas, então a culpa é de todos.
Iara De DuPont
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