fbpx
18.01.13

Cadiveu ninguém precisa do seu Preconceito!

Não é fenômeno atual o fato de que o fenótipo de pessoas negras é adjetivado como ‘ruim’; conforme ensaio de G.K. Hunter (“Othello and color prejudice”, 1978, p.41), na literatura religiosa, nos romances medievais e na tradição pictórica, todos os demônios, pagãos, maus espíritos, mouros e turcos eram negros.Dito fenômeno se acentuou por ocasião da escravidão de negros africanos; conforme ensinou Octave Mannoni, em “Próspero e Caliban”, as diferenças entre os seres humanos foi usada pelo colonizador como um instrumento de dominação, pois ele, além de não perceber o mundo do colonizado como um mundo a ser respeitado, ainda buscava satisfação psicológica na imposição de seus próprios valores e tradições como ‘algo superior’.Essa dominação se deu, no caso dos escravos africanos, com uma total repressão a tudo que se referisse ao povo africano: seus valores, deuses, tradições e fenótipo. A palavra diáspora refere-se a um trauma coletivo de um povo que, banido de sua terra e vivendo em um lugar inóspito, sente-se como que desenraizado de sua cultura e de seu lar. Esse trauma leva muitas pessoas negras a, buscando a aceitação do dominador, negar sua própria afrodescendência ao buscar a adequação de seus corpos (e cabelos) aos padrões eurocêntricos impostos.Mesmo após passados anos da abolição da escravatura, essa desvalorização da pessoa negra, de sua cultura e valores se perpetua através de outros meios, como a demonização das religiões de matriz africana, a qualificação pejorativa do fenótipo negro e o tratamento de pessoas negras como que inferiores, com o uso de linguajar infantil que reflete exatamente esse sentimento de superioridade de quem o adota.Recentemente a marca de produtos cosméticos ‘Cadiveu Brasil’ publicou em sua página do Facebook um álbum onde foi retratada uma campanha que perpetuava o racismo, por meio de qualificação pejorativa do cabelo de pessoas negras. Dito álbum mostrava pessoas colocando uma peruca que lembrava o cabelo ‘black’ e segurando uma placa com os dizeres ‘eu preciso de cadiveu’ (numa clara alusão à idéia de que o cabelo crespo, para se tornar apresentável/aceitável, precisava de um cosmético).O coletivo ‘Mulheres Black Power’ foi o primeiro a se manifestar contrariamente a esse preconceito velado, disfarçado de ‘padrões de beleza’ eurocêntricos e racistas; e vários outros coletivos e usuários da rede manifestaram repúdio à dita conduta.No lugar de apresentar uma retratação digna, a referida marca respondeu no Facebook dizendo que era ‘apenas uma brincadeira’, ‘que a campanha tinha sido um grande sucesso’, ‘que tinham uma modelo negra que assumia o cabelo black’, entre outras coisas.

Referida resposta nem de longe constitui a postura que se espera de uma empresa séria que diz respeitar a diversidade e suas consumidores’; reflete, na verdade, uma visão alienada de que sob a desculpa do ‘humor’tudo pode ser feito, que ter uma modelo negra os autorizaria a vilipendiar o fenótipo negro, que um grande sucesso numa campanha constituiria motivo suficiente para a manutenção desta campanha, independentemente de seu conteúdo.

Seguiram-se novas manifestações de usuários e nova manifestação da marca, que desta vez optou por usar um linguajar infantilizado, apelo à emoção e reiteração do racismo com a alusão à ‘raça pura’ e a proposta de fazer um vídeo com ‘meninas que valorizem os cachos’.

Entendemos que um simples vídeo sem que antes dele venha uma retratação pública não resolverá a crise estabelecida. É preciso que a marca tome outras medidas para demonstrar seu compromisso com o combate ao racismo, pois esse problema não é algo individual, mas coletivo, que infecta todos os padrões sociais.

Enquanto o racismo declarado constitui crime, o velado (em forma de padrões de beleza e humor, por exemplo) continua firme e forte, afetando crianças, jovens e adultos que são marginalizados e ridicularizados. Marcas de produtos e pessoas podem perpetuar o racismo, ainda que de forma inconsciente, motivo pelo qual é preciso conscientizar e educar toda a sociedade contra esses tipos de racismo como parte do combate ao problema. Fazer isso é decência básica humana.

Por este motivo, os coletivos que assinam a presente, resolveram apresentar esta nota de repúdio e uma proposta de retratação eficaz:

a) Indisponibilizar o álbum com a campanha que originou a crise (o que foi feito espontaneamente pela Cadiveu),

b) Apresentar texto onde se reconheça que qualificar ou insinuar que o cabelo crespo é algo ruim e precisa de um produto para ser melhorado constitui racismo velado e se desculpar pela perpetuação do racismo, ainda que essa perpetuação não tenha sido feita de forma consciente.

c) Desculpar-se por ter usado, em suas respostas, palavras como ‘raça pura’ , o apelo à emoção e a linguagem infantilizada (que revela uma visão de superioridade em relação às pessoas que reclamaram).

d) Comprometer-se na luta contra o racismo, fazendo campanha nos moldes da adotada pela DKT com o caso dos preservativos ‘Prudence’.

Assinam o presente os coletivos:

1 –Meninas Black Power

2 – Preta&Gorda

3 – Feministas do Cariri

4 – Feminismo que cola

5 – Nós Denunciamos

6 – Ogums toques

7 – Plínio Comenta

8 – Homem Feminista de verdade

9 – Feminews 

10 – O preconceito onde voce não vê 

11 – Femstagram

12 – ‘artazes e Tirinhas GLBTs 

13 – Renovação Negra

14 – Cem Homens 

15 – Não preciso de Cadiveu

16 – Blogagem Coletiva Mulher Negra

17 – ‘Blogueiras Negras

18 – Aline Valek

19- Femenputecidx

20 – Liga Humanista Secular 

21 – Slut Shaming Detected 

Se o racismo está enraizado, arranquemos a praga com raiz e tudo e a substituamos pela valorização das raízes negras. Meu cabelo é bom; ruim é o seu preconceito.

Este não um manifesto de negros contra o Racismo, é um manifesto de pessoas cansadas de padrões impostos com o intuito de estabelecer uma única beleza.
Quem se ama, não precisa se enquadrar em nada que é imposto, seja corpo, raça ou cabelo.
Somos Lindas, do nosso jeitinho e só precisamos nos agradar e a mais ninguém!

1 comentário // Deixe o seu!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *