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28.04.10

Bullying: a violência disfarçada de brincadeira


Poços de Caldas, MG, 18/04/10 – “Quem quer brincar põe o dedo aqui/que já vai fechar/e nunca mais abrir”. As crianças se agitam e tentam encostar um dedo na mão aberta de quem começou a brincadeira. A menina gorda corre e tenta alcançar a mão. Consegue, mas é empurrada por quem está em volta. Ela não entende e empurra também. A garota continua na roda. Alguém grita: “Ela não vai brincar de pega-pega. É gorda. Não vai brincar”.
Um ri. Outro também. Começa uma sucessão de gargalhadas. Ela quase ri também. Leva algum tempo até perceber que todos estão rindo dela.
“Você não vai brincar. Vai ficar olhando”. É a satisfação que dão. “Por que?”. “Porque não queremos. Você é gorda”.
Muitos a apontam, cochicham e continuam rindo. A garota gorda sou eu.
Tenho quatro anos e estou no Jardim I, o equivalente à iniciação escolar de hoje. Afasto-me e tento conter o choro. Não entendo exatamente o que está acontecendo. É a primeira vez que me impedem de fazer algo porque sou gorda. Até então, só tinham me proibido de fazer arte e as regras valiam para todas as crianças. Por que eu não podia brincar? Será que se eu fosse magra eu poderia me divertir com eles? Até aquele dia, meus quilos a mais nunca representaram um problema. Pelo contrário. Os adultos me achavam fofa e gostavam de me segurar no colo.
O sorriso deles durante a brincadeira me incomoda, mas, o que mais me machuca é que uma das garotas vem até mim e grita, na minha cara: gor-da ! Assim mesmo, bem sonoro. Não aguento. Começo a chorar. Talvez se eles perceberem que eu estou triste ficarão com pena e me deixarão brincar. Acontece o inverso. “A gorda agora está chorando. Chorona! Chorona!”. Quanto mais gritam, mais eu choro.


O presente e as marcas

Tenho 24 anos e na época não imaginava que ser ridicularizada por colegas de classe era algo que deixaria muitas marcas.
Hoje, este tipo de agressão tem nome. O bullying, adjetivo que vem do inglês e significa “bancar o valentão” é tema de pesquisas acadêmicas, bastante debatido entre educadores.
Comigo não foi assim e levei muitos anos e horas debruçada sobre livros até superar os traumas causados pelos colegas de escola. Acuada, assisti mais partidas de vôlei, futebol e rodadas de pega-pega e esconde-esconde do que participei dos jogos. Sempre tinha alguém para me “proibir” de participar e rapidamente ganhar a simpatia de todo restante da turma. A tirania, muitas vezes incentivada pelos professores, me ameaçou, oprimiu e amedrontou. Por muitos anos, tive medo de, na escola, levantar a mão e participar da aula. Sempre que eu tinha alguma dúvida era vaiada e insultada. Sempre usavam o fato de eu estar acima do peso como defeito imperdoável.
Na adolescência, por meio da literatura e da cultura de rua com as quais me envolvi, percebi que a autoestima era mais importante e que, mesmo que eu pudesse estar inserida no grupo dos agressores, já não parecia ser tão divertido.
Não queria mais pessoas do tipo dos agressores próximas a mim. Desta vez fui eu que passei a ignorá-las e tratá-las com a mesma agressividade com que se dirigiram a mim durante toda a minha infância. Nunca tiveram medo de que isso pudesse me magoar. Mas sempre doeu.
Acho que as marcas de me sentir menosprezada ainda se fazem presentes, embora agora eu não me esforce mais para eliminar os quilos excedentes e não sofra com isso. Consigo me defender de qualquer forma de exclusão por este motivo.
Escrever minha própria experiência expulsa os demônios da infância e propõe a reflexão sobre os dados atuais.

Por Jessica Balbino e Wagner Alves

5 Comentários // Deixe o seu!

  • Papu Morgado says:

    >É sempre muito bom as pessoas falarem sobre suas experiências e descobrirem que não estão sozinhas e que não merecem ser maltratadas. Parabéns pelo texto!

  • Manoela Bertelli says:

    >Menina parece que li minha história aí.
    Passei minha vida toda me sentindo inferior porque os outros me faziam me sentir menos importante por ter uns quilinhos a mais, cheguei a ser menosprezada por um menino que eu gostava que disse que preferia ficar com o Diabo à mim, imagina só onde foi parar a pouca auto-estima que eu tinha. Mas felizmente depois de muito tempo consegui me aceitar como sou e me amar assim.
    Hoje aos 25 anos sou casada, me amo e sou muito feliz com meus quilinhos a mais, tenho amigos que me amam e não se importam se tenho 50 ou 100 quilos.
    E isso é o que realmente importa.

  • >Comecei a engordar na adolescencia. Fui uma criança magra e não passei por isso, mas depois, na adolescencia, as coisas foram de mal a pior. Acho que nunca consegui me recuperar. Agradeço aos céus pela minha filha ter um biótipo diferente do meu.

  • drika!!! says:

    >Pois realmente se n'ao fomos amadurecidas,levamos isso para o resto da vida, eu que era idiota e me excluia, sim piadinha existia,mais eu sempre fui daquele tipo “Gordinha valentona“(rsrsr), pois batia msmo nos meninos, se eu falar que minha infancia me marcou [e mentira, pois n'ao, mas vejo minha irm'a hj com 35 anos praticamente, sempre foi gordinha os meninos beliscavam ela , s[o pq era gorda, hj em dia magra pois fez redu;'ao de estomago, mas ela leva com ela isso at[e hj, pois ela guarda mta magoa, eu n'ao guardo, ja me fizeram mta coisa mais nao guardo magoa pois descobri que posso aquilo que eu quiser , n'ao prejudicando minha saude , mas enfin, mta das vezes o bulling deixa marca, as maes tem que sempre ficar atentas, pois leva para tda vida!!!

  • Marcas pra vida toda. Sim, é isso que o bulying faz. Descobri na escola que o meu cabelo era “ruim”. Passei a escola ouvindo frases do tipo “cabelo duro”, “cabelo de bombril”, “caminho de rato” etc. Superar tanta maldade para uma criança é muito difícil. Hoje, como professora, não permito que meu alunos façam “brincadeiras” que possam ofender ou inferiorizar ninguém seja pelo motivo que for! Tolerância zero!!!

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